Era início dos anos 2000, última turma do antigo curso técnico de magistério. O curso exigia estágio obrigatório em sala de aula. Consigui estágio na escola próximo de casa, onde havia feito de quinta a oitava série, naquela época o ensino fundamental ia até a oitava mesmo.
Era durante a noite, numa turma de jovens e adultos, alunos em idade mais avançada, que chegavam cansados do trabalho ou das atividades diárias, para as aulas.
Naquela noite aconteceu algo diferente. A professora atrasou. Já estávamos em sala e começamos a conversar assuntos aleatórios, já estagiava com a turma há um tempo, morávamos no mesmo bairro e, não sei porque cargas dágua, começamos a conversar sobre visagens(ou assombrações se preferir).
Foi um show de horrores! Um aluno relatou sobre fogo do mar, fogo do campo ou fogo do mato. O nome muda, mas o relato é o mesmo. A pessoa vê uma pequena chama durante a noite e quando menos se espera, está rodeada de chamas e no dia seguinte não há nada queimado no local, mas há passos no chão.
Outro jurou que viu um pássaro grande voando a noite e pousando na casa de uma pessoa.
Um outro suspeitava que uma senhora idosa, conhecida na vizinhança, era Matinta Pereira. Era baixinha, magrinha, curvada e vivia pedindo na redondeza. A Matinta Pereira é uma senhora idosa que passa voando e gritando por cima das casas a noite e se o dono da casa oferecer tabaco, no dia seguinte a pessoa humana vem cobrar esse tabaco. No meu interior tinha isso. Chamavam de "fado". Qualquer idoso que vivia muito levava essa fama. As mulheres viravam matinta e os homens lobisomem e só morriam quando passavam o "fado" para outra pessoa. Diz-se que a pessoa com fado chegava com outra pessoa e perguntava "tu quer?" se a pessoa respondesse "sim" o fado já passou. Então, tome cuidado ao responder "sim" pra qualquer coisa em Cametá, pode ser um fado.
Uma curiosidade regional sobre lobisomens. Os relatos que eu ouvia na época sobre tais seres, não eram como os de Hollywood. Bonitos, sedutores, chupadores de sangue e que morriam ou brilhavam no sol. Sequer viravam lobos, mas sim um animal parecido com um porco grande, que ia fuçar embaixo do giral(parte de lavagem da cozinha) das casas das pessoas.
Confesso que bateu uma certa nostalgia. Na minha época de adolescente a cidade não tinha energia elétrica da hidrelétrica de Tucuruí. Usávamos termoelétricas, queimando óleo diesel, e durante a crise do petróleo havia racionamento constante, com revezamento de bairros no escuro. Durante essas noites os adultos aproveitavam pra contar piadas obscenas, casos e essas histórias macabras para deixar os mais novos com medo de ir dormir. Nostalgia das histórias, não dos apagões de energia.
Até que enfim a professora chegou e a aula seguiu como de costume e eu esqueci de tudo.
Ao terminar as atividades na escola, parei na casa dos meus pais e fiquei batendo papo com eles até umas onze da noite e fui para casa dormir.
A casa onde eu dormia era uma chácara, afastada da cidade, com um pedaço do trajeto escuro, sem casas por perto e apenas um caminho de chão batido para uma pessoa andar. Eu ia de bicicleta, uma lanterna e uma enorme coragem todas as noites. Não era tão longe, acho que menos de 15 minutos de viagem.
Peguei minha bicicleta e parti. Ao chegar numa descida, ainda na parte com casas, vi um vulto pequeno e parado, embaixo de um poste de energia, com a única lâmpada acessa na rua, muito parecido com a senhora que diziam ser Matinta Pereira e para piorar, ainda era na frente da casa onde o aluno disse ver a ave grande pousar. Era muita coincidência pra uma noite só.
Juro que o medo me travou, não conseguia pedalar, meus olhos ficaram fixos no vulto, e a bicicleta continuou sua descida na rua escura. Ao chegar perto, era uma criança. Uma criança brincando de esconde, esconde em plena onze horas, ela estava na contagem e por isso estava imóvel e quando cheguei perto apareceram outras saindo do mato porque foram descoberta. Parece absurdo, mas eram tempos de crianças raiz e pais despreocupados(até demais).
Passado o susto, destravei e continuei. Mais a frente, já dobrava, passava pela última casa, entrava na estrada escura e logo após no ramal estreito para chegar em casa.
No ramal estreito, Haviam passado a máquina recente, o mato não estava alto, haviam derrubado as árvores e deixado mais ou menos de 2 metros de altura
Nessa hora, ouvi um barulho e vi um clarão por cima das árvores. Pensei: é fogo do mato! destravei e pedalei o mais rápido que pude. Cheguei no portão de casa, pulei da bicicleta e deixei ela cair, já puxando a chave para abrir o cadeado do portão. Consegui entrar e corri pra casa. Meu irmão estava dormindo, acordou com o barulho e quis saber o que era. Eu desesperado tentando explicar. A casa tinha o andar de cima e subimos. Ao abrir a janela, era um trator passando. O barulho e a luz que vi provavelmente eram dele. Esperei meu coração desacelerar pra começar a rir.
Então meus amigos, essa foi uma noite em que quase eu morro de susto. Não foi nada sobrenatural de fato, mas acredito que é assim que nascem as histórias de visagens. Se não tivesse ido até o fim não veria que não passava de confusão e medo da minha cabeça. Não que o sobrenatural não exista, mas muita coisa a gente inventa.
Espero que tenham gostado! comentem, curtam e compartilhem.
Até mais.
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